A Inovação Responsável em Saúde (IRS) é um conceito apresentado pelo grupo de pesquisa ‘In Fieri’ da Universidade de Montreal (Canadá). Liderado pela professora Pascale Lehoux, conta com a participação dos pesquisadores brasileiros Hudson Pacífico da Silva, Robson Rocha de Oliveira e Renata Pozelli.
Inovação Responsável é um campo que ganhou força nas políticas europeias de Ciência e Tecnologia. No contexto da Saúde, atua principalmente na Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS).
Durante aula ministrada na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), o pesquisador Hudson Pacífico da Silva defendeu que as inovações são soluções sociotécnicas, na medida em que congregam as dimensões da tecnologia e de sua apropriação pelos seres humanos. Para ele, o sistema de inovação possui quatro componentes-chave: Estado, investidores, empresas, além dos institutos de ciência e tecnologia.
Hudson listou cinco características desejadas para as tecnologias em Saúde:
- Possuir efetividade igual ou maior e custos menores do que a alternativa existente;
- Poder ser usada de modo seguro e eficaz por profissionais menos habilitados e dispendiosos, em qualquer lugar e em todas as áreas geográficas;
- Produzir diagnóstico com precisão ou resolve um problema de saúde de modo permanente;
- Não produzir efeitos colaterais, não reduz a mobilidade ou autonomia do paciente; e
- Não colocar dilemas éticos ou levantar transformações sociais ambíguas.
A IRS apresenta uma metodologia para a ATS ancorada em cinco domínios e 9 atributos com o objetivo de “orientar a concepção e o desenvolvimento de inovações que contribuem para tornar os sistemas de saúde mais equitativos, justos e sustentáveis”.
Valor/domínio | Resumo |
Valor para a Saúde da população | Necessidades de saúde importantes e que contribuem para reduzir as desigualdades |
Relevância Sanitária | A inovação aborda um problema de saúderelevante na região onde os usuários previstos estão localizados? |
Aspectos éticos, legais e sociais | A inovação foi desenvolvida buscando mitigar suas questões éticas, legais e sociais? |
Desigualdade em Saúde | Como a inovação contribui para promover a equidade em saúde? |
Valor para o Sistema de Saúde | Respostas aos desafios e necessidades dos sistemas de saúde de forma sustentável |
Nível de cuidados | O nível e a intensidade dos cuidados exigidos pela inovação são compatíveis com a sustentabilidade do sistema de saúde? |
Responsividade | A inovação oferece uma resposta dinâmica a uma necessidade ou um desafio importante do sistema de saúde? |
Inclusividade | Os processos de desenvolvimento da inovação foram inclusivos? |
Valor Econômico | Soluções acessíveis, de qualidade e fáceis de usar |
Frugalidade | A inovação foi desenvolvida por meio de uma abordagem frugal a fim de proporcionar mais valor a mais pessoas usando menos recursos? |
Valor organizacional | Atividades empreendedoras que oferecem mais valor à sociedade |
Modelo de negócios | A organização que produz a inovação adota um modelo de negócio que oferece mais valor aos usuários, aos compradores e à sociedade? |
Valor ambiental | Soluções ambientalmente responsáveis |
Eco-responsabilidade | Os princípios de responsabilidade ambiental são aplicados em todo o ciclo de vida? |
O quadro conceitual da IRS acima foi construído a partir da avaliação de 105 inovações ligadas aos determinantes sociais da Saúde e de revisão da literatura.
Em artigo científico recentemente publicado no ‘Journal of Medical Internet Research’ (JMIR), os pesquisadores do In Fieri adicionam novos domínios para a avaliação de tecnologias, em especial de Saúde Digital. Intitulado como “Uma ferramenta abrangente, válida e confiável para avaliar o grau de responsabilidade de soluções digitais de saúde que operam com ou sem inteligência artificial: estudo de métodos mistos em três fases” (A Comprehensive, Valid, and Reliable Tool to Assess the Degree of Responsibility of Digital Health Solutions That Operate With or Without Artificial Intelligence: 3-Phase Mixed Methods Study), o texto explica as especificidades das soluções digitais em Saúde. São elas:
- Agenciamento Humano (Human agency): diz respeito à capacidade de apropriação da tecnologias digital pelos humanos que lidam com ela dentro de questões como explicabilidade, transparência, liberdade de questionamento de decisão baseada em IA, entre outras.
- Interoperabilidade centrada nos cuidados (care-centric interoperability): está ligada à possibilidade de integração segura de dados clínicos e não-clínicos.
- Frugalidade do software (Software frugality): trata da capacidade de adaptação da ferramenta digital com otimização de recursos para funcionamento, utilizando apenas o necessário para entregar maior valor ao usuário, privilegiando ainda soluções de software livre com código aberto.
- Governança de dados (Data governance): passa pelas políticas de controle e uso dos dados dos usuários a partir de treinamento, definição de indicadores e responsabilidades dos atores envolvidos, além da criação de sistemas auditáveis.
- Eco-responsabilidade do software (Programming and software eco-responsibility): refere-se à preocupação com a economia de energia consumida com a utilização das ferramentas. Já a Eco-responsabilidade do hardware cuida da redução dos impactos ambientais causados pela fabricação, uso e descarte dos dispositivos físicos envolvidos na Saúde Digital.
A partir da nova abordagem da IRS para soluções digitais, o quadro conceitual seria atualizado da seguinte maneira:
Valor | Domínio |
Valor para a Saúde da população | Relevância Sanitária |
Aspectos éticos, legais e sociais | |
Desigualdade em Saúde | |
Agenciamento humano* | |
Valor para o Sistema de Saúde | Nível de cuidados |
Responsividade | |
Inclusividade | |
Interoperabilidade centrada nos cuidados* | |
Valor Econômico | Frugalidade de hardware |
Frugalidade de software* | |
Valor organizacional | Modelo de negócios |
Governança de dados* | |
Valor ambiental | Eco-responsabilidade de hardware |
Eco-responsabilidade de software* |
* Adicionados a partir do artigo disponível em https://www.jmir.org/2023/1/e48496.
As avaliações são realizadas em uma ficha com quatro níveis de pontuação: A (75% ou mais), B (50% a 74%), C (26% a 49%) e D (25% e abaixo).
No Brasil, a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é responsabilidade da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), a qual conta com o apoio de centros de pesquisa como o Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS).
Um dos principais problemas da ATS apontados por Hudson Pacífico é que este processo possui foco maior nas tecnologias prontas (downstream) e não nos estágios iniciais de desenho da inovação (upstream).
Durante suas aulas, o pesquisador Hudson Pacífico apresentou ainda o livro “Inovação Responsável em Saúde: conceitos e ferramentas para um impacto sustentável” (Responsible Innovation in Health: concepts and tools for sustainable impact). Indicou também o “Guia do Usuário – Ferramenta de avaliação da Inovação Responsável em Saúde (IRS)”, disponível na língua portuguesa.
O último dia contou com a realização de uma edição especial do Centro de Estudos da ENSP (CEENSP) com a participação das pesquisadoras do InFieri, Lysanne Rivard e Lysanne Rivard, além do ex-presidente da Fiocruz, Carlos Morel. Rivard apresentou novos instrumentos como a “Bússola de Design Responsável” (Responsible Design Compass), em forma de cruz, e o Resumo do projeto de IRS” (RIH Design Brief), que ajudam, respectivamente, a refletir sobre questões-chave de responsabilidade e integrar características de responsabilidade ao longo do processo de inovação.
Já Morel afirmou que a Fiocruz deveria levar em consideração a IRS em seus projetos de inovação e deu destaque para a importância das patentes para a pesquisa científica na área da Saúde.
Arthur William Cardoso Santos é doutorando em Saúde Pública na ENSP/FIOCRUZ, com orientação do Prof. Dr. Carlos Gadelha, onde pesquisa o subsistema de informação e conectividade do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), além de compartilhar os dados sobre o desenvolvimento de Inteligência Artificial em Saúde no site https://iasaudepublica.com.br dentro de uma ação de ciência aberta. Cursa ainda a pós-graduação de Ciência de Dados/Analytics na PUC-Rio, além de integrar o GT de Inteligência Artificial (IA) da SET. É pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) e do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz). Fez cursos presenciais em Harvard e Stanford sobre Inovação em parceria com o LASPAU e o Lemann Center, respectivamente. É mestre em Educação, Cultura e Comunicação (UERJ), pós-graduado no MBA de TV Digital, Radiodifusão e Novas Mídias de Comunicação Eletrônica (UFF), graduado em Comunicação Social / Jornalismo (PUC-Rio) e técnico em eletrônica (CEFET-RJ). Foi gerente executivo de Produção, Aquisição e Parcerias na EBC, além de gerenciar o setor de Criação de Conteúdos e coordenar as Redes Sociais da TV Brasil. Liderou também a área de Inovação/Novos Negócios na TV Escola. Atuou ainda na criação do Canal Educação e do Canal LIBRAS para o Ministério da Educação (MEC). Deu aulas em cursos de graduação e pós-graduação nas universidades UniCarioca, Unigranrio, FACHA, INFNET e CEFOJOR (Angola), além de integrar o conselho consultivo do Ministério das Comunicações para a escolha do padrão tecnológico do Rádio Digital no Brasil.